quinta-feira, 8 de fevereiro de 2007

Obstáculo reconsiderado e superado (ou o puro prazer de contestar o contestável)


Tenho gosto especial por contestações. Diria que sou contestador nato. Entretanto, detesto que me tomem por um denegador. Não, isto jamais serei. A diferença entre contestação e denegação? Basta ir ao dicionário, mas posso dar aqui a minha versão: contestar, naturalmente tem sua acepção inserida na de negar ou denegar, mas como por etimologia deriva de 'testis', testemunho, em latim, não pode ser denegação pura e simples, mas uma negação carregada de provas, de razões. Um denegador diz apenas 'não é isso', e ponto. Já um contestador diz: 'não, não se trata disto, bastando observar o que se argumentou para concordar comigo'. Um denegador corre de provas e demonstrações como o diabo da cruz, enquanto um contestador não vive sem elas. Contestar é como matar a cobra e mostrar o pau.

Gosto, como dizia, de contestar. Mas só o quanto se presta à contestação, pois há pensamentos irretorquíveis e contestá-los seria antes denegá-los, isto é, dizer-lhes um não sem motivo, sem justificar-me. Já aqueles mais frágeis, tenho o prazer de tomá-los na mão e começar por revirá-los de todos os lados, ver como aparecem de vários ângulos. Enquanto isso, é como se estimasse o seu peso, experimentasse a sua aspereza ou lisura. Às vezes só de pegar dá para saber se quebra quando jogado no chão, quanto tempo fica no ar caso se o atire para o alto e outras só de olhar já sei se é argumento que se sustenta por si ou se é daqueles precisados de suportes, como o da bicicleta fazendo as vezes de metáfora da Ética lançado à guisa de provocação por AC, e como, aliás, a bicicleta ela mesma que, como disse no texto anterior, não se equilibra sem apetrechos específicos ou sem o ciclista.

A bicicleta simbolizando a Ética é daqueles argumentos que se valem do poder hipnótico das metáforas para literalmente mandar a atenção de um sujeito para bem longe. Em si, nada contêm, bastando um empurrãozinho para vê-los espatifarem-se por conta própria meio metro adiante. Para se ver como anda o entendimento do que seja Ética entre os literatos! Pior: para se ver como lêem os literatos de hoje em dia, ou melhor, literatos formados nas modernas redações de jornais. Pela profissão, têm de - à letra - engolir textos, os que escrevem e os que porventura tenham de ler, pois no frisson da notícia, do achamento do lide, às vezes não dá para saber nem mesmo o que se noticia. Depois, observado um certo estilo, mantida alguma regularidade na escrita, passa o jornalista a compor o círculo restrito dos literatos, quando então, além de escrever o que pode, o homem de notícia passa também a ler o que quer, digo, ler a si próprio, fase esta permanente depois de instalada na vida de alguém e na qual o indivíduo sofre, em fim de contas, de modalidade da alexia. Como aprende com relativa rapidez alguns conceitos novos (e tem de fazê-lo, pois passa a aspirar cadeiras em acadamias de literatos - e chegar numa delas sem o cabedal bastante para o discurso de posse é gafe sem perdão), conscientiza-se de ser, de sempre ter sido, poeta, isso por causa do grego 'poietes', 'aquele que faz', lembra, o que lhe confere condição privilegiada, pois o poeta, para sê-lo, deve contar com sorte de sexto sentido, muito utilizado por Freud, por exemplo, na sua técnica de livre associação de idéias, o sentido do insight. A partir de então, seguremo-nos: o que quer que lhe venha de estalo tem de estar certo, tem de corresponder a alguma realidade, a algo encontrável no mundo: da álgebra simples à física quântica, passando pela topologia, pela química dos metais pesados, engenharia de produção, economia, gestão pública e um sem número de áreas do conhecimento humano à inteira disposição do novo literato e seu sentido de estalo.

Assim imagino como pode ter germinado e medrado no pensamento de alguém a idéia de poder a bicicleta ser metáfora da Ética. Ainda que não se tenha noção clara do que seja essa ciência, ora, ao menos se lesse com atenção e critério o que postou este pobre escrevinhador na abertura dos presentes trabalhos e se o contestasse de modo menos subjetivo: a Ética é como pesquisa de ponta, a matemática pura, a física teórica, em suma, o lugar onde pode vicejar a perfeição, enquanto a Moral tem parte com a aplicação de uma ciência no mundo, o mundo como o experimentamos, o mundo do possível, da incerteza. Quando um filósofo se dá ao trabalho de escrever uma Ética tem em mente não uma Moral, coisa que deixa para os seus vizinhos, para os legisladores e demais cidadãos comuns, como sacerdotes e bêbados: do contrário, ao conceber uma Ética o filósofo intenta produzir a conciliação de todas aquelas Morais incompatíveis, digo, intenta mostrar como, em sendo Morais, estão submetidas aos mesmos princípios, do mesmo modo que, em sendo humanos, partilhamos de características comuns. Uma Ética é uma espécie de reguladora de Morais, cuidando para que cada uma destas não ultrapasse certos limites, quando poderia transformar-se em Intolerância ou Egoísmo puros.

Fazer, portanto, da bicicleta símbolo da Ética é desacreditar ofensivamente essa ciência que, como qualquer outra, tem lá as suas descompensações, embora tenhamos de dar-lhe voto de alguma confiança em sua tarefa de aprumadora de Morais. Por isso, tentando salvar o estalo do meu amigo, o redirecionei para a simbolização do mundo: este, sim, parece a nós carecer de prumo. Quem não se sente, na face da Terra, como se com escasso êxito se mantivesse de pé? Quanta ginástica não se faz por simplesmente estar-se vivo? E serei eu e o meu mitigado, sofrido, senso de equilíbrio comparáveis à bicicleta que, segundo me consta, nem senso tem? Não vejo sentido nessa comparação. Sinto muito pelo estalo do amigo AC. Com certeza quis ele produzir um elogio de improviso desse veículo incrível, aliás, um dos seus motes prediletos: mas ainda não atinou com as idéias cabíveis, ao menos no que tange essa de fazer da Ética bicicleta.

Compartilho de sua admiração por essa maravilha sobre duas rodas. Além dos aspectos de equilíbrio puro e simples, os quais, diga-se en passant, dizem respeito a nós mesmos, ciclistas, verdadeiras maravilhas que ousamos sustentar-nos onde muitos ainda têm dúvidas quanto a serem capazes de o fazer, a bicicleta pode maravilhar ainda mais quando posta no lugar correto, esse onde mostra concentrar em si atributos mais gerais concernindo ao mundo. Imagino que na época das grandes cosmologias míticas, aquelas onde figuram, por exemplo, elefantes sustentando semi-esferas e sustentando-se, por sua vez, no dorso de tartaruga monumental, imagino que nesse tempo, existindo já a bicicleta, ao menos um sábio daqueles a teria utilizado em seu modelo de universo, o que contaria com a vantagem de já de saída apelar para estruturas circulares, aproximando sua imagem das modernas concepções de esferas e seus trajetos elípticos no espaço sideral. E ali não poderia aparecer a bicicleta sem qualquer adjutório que a mantivesse de pé, o qual não poderia, já de princípio, ser algo como um suporte, pois isso seria falsear, produzir eufemismo do que em verdade experimentamos no cosmos: a bicicleta cósmica jamais viria equilibrada. A única solução de verossimilhança ao alcance desse pioneiro cosmologista seria pôr sobre o veículo um ciclista primordial, o ciclista cósmico, aquele cujo prumo foi conseguido sem mesmo movimentar-se, em plena inércia.

É de fato uma pena que não existissem bicicletas nos tempos do mito. Pois com certeza teríamos idéia diferente dos acrobatas realizando verdadeiras misérias nos palcos de, por exemplo, um Cirque de Soleil. Trata-se-ia, caso fosse outra a história, de encenação em que esses artistas reproduziriam, em particular com sua capacidade de permanecerem imóveis sobre o selim, não os instantes iniciais do cosmo, mas o cosmo como deve ser, uma vez haver quem o monte - nós, humanos, pretendidos reformadores da realidade - e acredite poder guiá-lo por caminhos melhores, ou ainda, que mesmo sem ter para onde mais ir (pois o universo é a um tempo bicleta e via por onde ela trafega), saiba ele manter-se, ainda que inerte, no prumo. Esse ciclista primigênio, diria eu, seria a própria D. Ética, cuja maravilha, a despeito da comprovada vetustez, é manter grau admirável de conservação (sem incorrer no ridículo de parecer menina, o que deixa para suas filhas, as Morais).

Isto feito, digo, contestada de modo cabal a idéia de AC, passo a considerações finais: ver-se-á que não é possível ser eu mesmo a D. Ética. Não poderia. Ninguém poderia. Mas como qualquer ator ou mesmo médium, deixo-me possuir pelo espírito dessa senhora, em particular quando tenho de enfrentar um descaminho para não escorregar na via principal. Então fica-se com uma cara de Moral, enfatuado, aborrecido, intolerante, ás vezes mesmo chegando nas primícias de vias de fato. Isto ocorre por ser preciso alguma experiência para deixar-se possuir pela enorme grandeza e complexidade de D. Ética: nem sempre se possui a estrutura adequada para comportá-la. E, como se verá, o próprio espírito de D. Ética termina por encarregar-se de amenizar seus trabalhos sem necessitar de intercessores, pois seu papel, em fim de contas, não é outro senão o de mostrar-nos como é o mundo e como nele mantermos o prumo sem desaprumar o restante das coisas.

Rio, 08/02/07

Waldemar Reis

quinta-feira, 25 de janeiro de 2007

Um obstáculo inesperado

Uma observação preliminar: a Ética não é a bicicleta! Não pode ser, ou teríamos de admitir que o equilíbrio nos é dado pelo veículo, que por si mesmo necessita de nós, ciclistas, ou de apetrechos para se manter de pé. Se metáfora de algo, a bicicleta o seria do próprio mundo: é nele que precisamos manter o prumo, é ele que cai sobre nós ou nos derruba se não compensamos apropriadamente suas tendências. E quem nos auxilia nesse esforço não é senão D. Ética, conselheira exemplar, irreparável, pois toda Ética necessitada de reparos - já vimos isso no texto de abertura desta série - é na verdade uma Moral.

Creio, assim, haver respondido ao comentário do amigo AC e sua poética metáfora. Com certeza quis com ela corrigir o curso da que inventei (apressadamente, como já fiz notar), na qual reconheço haver nada de brilhante, sendo seu maior pecado, ao contrário da proposta por AC, o de carecer da desejada poesia. Mas se posso criticá-la por mirrado apelo estético, invoco a seu favor a precisão. Ela diz melhor da intenção de relatar o quanto me vem à cabeça quando trafego pelo labirinto de intolerância que vimos criando para nós à guisa de abrigo, a metrópole. Trata-se, o mais das vezes, de meros estalos sacados nos contratempos de decisões apressadas com vistas a evitar o pior. O pior para mim, o pior para outrem.

O que é o ciclista em hora de rush? E nos fins de semana? Em ambos e em quase todos os outros casos imagináveis é ninguém. Se está no meio da rua, empurram-no os automóveis para a calçada e aí os pedestres - não todos, é bem verdade e ainda bem - insistem em lhe obstar o caminho ou encaram-no como a um vagabundo ou mesmo fascínora. Para passar pela calçada, manda a lei, tem de apear-se. É justo, visto haver quem manobre mal seu veículo. E o que é um ciclista desmontado? Nada, igualmente: alguém empurrando uma bicicleta (andaria melhor não conduzindo nada com as mãos).

Tudo, entretanto, parece amenizar-se com a visão esperada da ciclovia. Então é só aguardar o sinal abrir e encontrar uma brecha desprezada ou ignorada pelos motoristas para atingir seu éden, pensa o ciclista, onde poderá dialogar com iguais (semelhantes, melhor dizendo) e finalmente desenvolver velocidade constante. Mas ainda tem de evitar o automóvel arremetendo-se sobre ele ao dobrar a esquina, umas hábeis pedaladas e... a ciclovia! Já não faz caso do monóxido de carbono descarregado da via lateral e imagina mesmo que lhe refresca a cara a brisa do mar. Tem alguma pressa, compromisso, mas um passo furtivo de uma senhora resfolegante - e entrada nuns quilos a mais - o força a desviar-se para a esquerda, onde não por acaso se aproxima outra bicicleta em sentido contrário (ou seria no mesmo sentido, tentando ultrapassá-lo?), de quem escapa numa manobra elástica para de imediato dar com o casal de corredores, mãos dadas, gordinhos e saltitantes, ocupando pouco mais de dois terços das pistas.

Ora, qual o lugar do ciclista nesse mundo? Nenhum! Não tem o status dum motorista, que possui carro por ter pressa de honrar suas obrigações. Tampouco é um pedestre, corredor ou não, que, bem ou mal, está fazendo algo importante para si, como pegar o taxi, o ônibus ou cuidar da saúde - até topar com a próxima maionese de batatas. Um ciclista só pode estar-se divertindo, passando o tempo, pois a bicicleta nada tem de um veículo sério: desconfortável ao sol, incoveniente na chuva, é útil apenas para perturbar a vida alheia.

Tudo isto tem um significado, mais grave do que aquele que permitimos ou costumamos admitir. Ele se apresenta quando confrontamos o mundo como é com aquele que, de sã consciência ou por puro desencargo da mesma, dizemos querer e, claro, fingimos construir. A bicicleta é um dos pontos ideais donde vislumbrar a natureza humana como se apresenta: um pouco elevado, o suficiente para observar sem tomar-se por deus, e em condição de fragilidade, pois nem todos sabem, ainda bem, que para desconcertar um ciclista é bastante afastá-lo para o lado com a mão. De pouco adianta insultá-lo ou contestá-lo: a isto ele já se habituou.

Rio, 25/1/07

Waldemar Reis

segunda-feira, 22 de janeiro de 2007

Ética de bicicleta


O leitor tem todo o direito de criar a imagem da senhora respeitável pedalando com algum jeito, muito cuidado, metida num jogging ou mesmo exibindo, muito à vontade e sem traço de cupidez, par de pernas apresentável já não escondendo as luzes aquareladas que o tempo dá à tez quando madura. Pode inclusive outorgar-lhe aquela superioridade espigando-se sobre o selim, perturbada somente pelos eventuais sobressaltos ao ter o caminho cortado pela trajetória de um celerado, seja ele criança, um idoso, o garoto do skate, o par falante.

Permito também, leitor, o seu embaraço caso lhe pareça excessiva a falta de cerimônia aqui usada, desde o título, para com senhora assim reservada a quem se flagrou no exercício de atividade hoje tida por recomendável para o desfrute da saúde adequada. Afinal, são igualmente prováveis o seu desconhecimento de semelhante personagem ou a vaga notícia de sua existência (quase sempre envolta num certo distanciamento), circunstâncias em que, manda o trato civilizado, é mister usar da formalidade.

Maior estranhamento deverá causar a notícia de tratar-se de mim mesmo quem conduz tão prosaico veículo, sendo inevitável o riso de mofa, embora discreto, dirigido ao travestismo em suas variadas faces. De modo igual não me causará constrangimento vôo assim incerto da imaginação, pois tenho em conta a precipitação havida na escolha de como chamar esta série de textos, e tampouco o ar de ironia do leitor ao conceber a mim como imbuído de suscetibilidades da fantasiosa dama ao trafegar pelo âmago dos mais comezinhos conflitos humanos expondo-se a céu aberto.

É, entretanto, como fica o ar da cada um de nós quando tem de enfrentar-se diuturnamente com os limites impostos pela presença recíproca e numerosa. Com desonrosas exceções, ao trafegar pelo espaço público incorporamos algo de D. Ética, em particular aquela expressão permanente de discretos assombro e desaprovação em face da estupidez universal. Confessemos: mesmo sem querer, sempre se acha algum pé onde sustentar uma implicância - uma birra - para com as ocorrências à volta. Segundo critérios exclusivos e mesmo contraditórios, o mundo vem-se apresentando como projeto necessitando de permanentes reparos.

E não usar sequer um único adereço nem portar ao menos um traço dessa senhora é, para quem costuma trazê-los sobre si, loucura manifesta, quando não indício certo de índole má. E com loucos e malévolos não há diálogo possível: simplesmente não entendem o porque de alguém ter de vestir-se de Ética, mesmo se apenas para constar. Pois há quem o faça como se usasse fantasia ou disfarce e, mesmo inconvincentes, são tolerados por seus iguais, sendo também prontamente reconhecidos por essa outra casta para a qual pôr sobre o corpo os sinais do seu pacto com tão respeitável senhora é condição primordial, orgânica mesmo.

Mas repudiam, esses puristas, antes de mais, o imbróglio de que são vítimas os embuçados quando vêm a público com os berloques variados e desacertados de personagens outras, cujas vidas são consagradas a parodiar grotescamente as maneiras de D. Ética. Trata-se dos cultores de d. Moral, nome este usado por multidão de senhoras, mais jovens do que a nobre e vetusta Ética, sendo algumas descendentes suas, abastardadas, é mister adiantar, mas arrogando-se privilégios de legitimidade.

Em verdade, hoje o sei, é projeto fadado a dissabores o de escapar incólume às influências dessas parodiadoras. Todos corremos o risco diário de adicionar um ou outro dos ornatos sugeridos por alguma d. Moral. Em primeiro lugar, por se apresentarem elas, em suas desatinadas imitações, como Ética, ela própria, apagando das rasas memórias de quem as admira o menor traço da existência desta última. Tornam-se influentes também por serem proficientes na técnica publicitária, inscrevendo seu nome em praticamente todos os escritos com que uns homens se aproveitam dos demais abaixo de si na escala do poder: sendo, como são, documentos envoltos na aura do sagrado, fazem-se conhecidos sem que jamais se os mirem, ou melhor, tendo-se os olhos postos no chão, somente a uns eleitos cabendo lê-los e referi-los, o que fazem segundo sua pessoal conveniência.

Mas como pode o leitor, assim admoestado e já desconcertado pelo persistente engano de tomar umas senhoras por outra ou por ignorar a existência desta, distinguir uma das demais, ou melhor, como pode identificar os adereços originais de D. Ética e preterir as imitações? Observe, leitor, que já o tomo por um purista, um cultor dos secretos ensinamentos dessa deusa originária, precipitado que sou, presumindo-o suficientemente estimulado por estes breves e sinuosos parágrafos. Se, então, é esse o seu caso, cuide, antes de mais, de manter distância das carantonhas e dos excessos de formalidade, mas também dos sorrisos exagerados e das gentilezas sem motivo. Em nosso perpétuo baile de carnaval é assim que costumam apresentar-se, em maioria, os adoradores das diversas Morais. São aspectos contraditórios, hei de concordar, mas são prova de como é vista a Ética nos quatro cantos do mundo. No momento, restrinjo-me a esses quatro atributos, ou ponho-o atarantado, leitor. A seu tempo, com o aparecer de novas crônicas, outros se mostrarão.

Assim, convido-o a aventurar seu equilíbrio pelas vias irreparáveis dessa maravilhosa cidade, costurando sobre o meu veículo de duas rodas, desgastado mas robustecido pelos desvãos incontornáveis dos caminhos, percursos repetidos alternando calçadas, saltando meios-fios, ameaças dos automóveis e imprecações de quem os dirige até alcançar a ambígua segurança das vias expressas das bicicletas apinhadas de passos em falso de caminhantes e desportistas de ocasião, de crianças sobre patins e ciclistas intempestivos. De quebra poderá colher na viagem a descrição de uma bela paisagem, uma inconfidência picante e até um tropeço na natureza humana. Trata-se da vida como é, ou parte dela: sem grandes promessas, pobre em certezas. E minhas palavras, longe de amenizá-la, podem torná-la ainda mais sinuosa, como o demonstram aqui. São seus a escolha e o risco de me seguir.

Rio, 23/1/07

Waldemar Reis

 
Licença Creative Commons
Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons.